quinta-feira, 14 de abril de 2011

Em Análise

Ao entrar em análise é impressionante a quantidade de coisas que surgem, principalmente os não ditos. O processo é importante para a minha formação, mas também para a minha vida. Tenho a sensação de que as palavras saem sozinhas. Falo tanto que acho 50 min não são suficientes. Ainda estou no começo, mas já percebo alterações, como um alívio, como se estivessem tirando um peso. Daí tem surgido várias reflexões sobre minha vida. Como as relações familiares ainda possuem um forte peso em minha vida, se sou o que sou basicamente pelas minhas vivências. Será que não existem aspectos próprios? Eu acredito que sim, mas tenho ponderado muito sobre essa questão, e outras mais.
Tenho que me compreender para compreender o outro. Não é simples como parece. Cada um de nós carrega uma história de vida muito complexa e, para podermos entrar no mundo do outro, temos que estar bem conscientes do nosso. Apesar de ter tido uma história “tranqüila”, “normal”, ainda assim sou um ser cheio de falhas e faltas como todo mundo. Tenho minhas neuroses e obsessões. Tenho muito o que trabalhar para acalentar minhas angústias. Tenho que controlar essa minha cede de vida, quero tudo ao mesmo tempo, quero sempre mais e não é assim que a vida funciona.
Freud acaba com o nosso narcisismo ao falar da falta que constitui o ser humano, e que é por isso que vivemos procurando por preenche - lá. Indago-me qual será o tamanho da minha falta? Será tão grande que jamais encontrarei um falo parcial para pelo menos diminuir essa angústia? Porque falos completos não existem na realidade, só na mitologia, principalmente em “Totem e Tabu”, onde existe o Grande Pai, cujo não é castrado. Para nós seres castrados pela grande Lei, temos que nos contentar com os falos parciais. Com a grande falta, será que minha castração foi tão grande assim? Será que isso me imobiliza tanto?
O que mais me mata é minha impotência diante da vida. Como já passei próximo da morte tenho plena consciência da finitude de nossas vidas e isso só funciona como o vento em uma queimada, inflamando ainda mais minha cede. Não sei se isso é bom ou ruim ainda, pois como tudo possui dois lados.

Autora: Cecília Tupynambá Guimarães - Piscologia - Puc Minas

'Film' (1965) by Alan Schneider & Samuel Beckett


Ao se falar da percepção este filme de Samuel Beckett vai trabalhar muito bem este tema. Assita e analise com ele vai tratar bem o papel da "percepção".

domingo, 10 de abril de 2011

Instantes



Si pudiera vivir nuevamente mi vida,
próxima trataría de cometer más errores.
No intentaría ser tan perfecto,
más relajado, sería más tonto de lo que he sido.

De hecho, tomaría muy pocas cosas con seriedad.
Sería menos higiénico. Me gustaría correr más riesgos,
más vacaciones, contemplaría más atardeceres,
subiría más montañas, nadaría más ríos.
Iría a más lugares donde nunca estuvo,
tomaría más helados y menos habas,
tendría más problemas reales y menos problemas imaginarios.

Yo era una de esas personas que vivió sensata
y profundamente cada minuto de su vida;
Por supuesto que tuve momentos de alegría.
Pero si pudiera volver a vivir sólo tratan
pasar un buen rato.

Porque si usted no sabe, que la vida está hecha sólo de momentos;
no perderlo ahora.
Yo fui uno de esos que nunca iban
a ninguna parte sin un termómetro,
una botella de agua caliente, un paraguas y un paracaídas, y
si volviera a vivir, viajaría más liviano.

Si pudiera volver a vivir,
comenzaría a andar descalzo a principios de primavera
y seguiría siéndolo hasta el final del otoño.
Yo Daría más vueltas carro,
contemplaría más amaneceres y jugaría con más niños,
Si tengo una vida por delante.
Pero ya ven, tengo 85 años y me estoy muriendo.

Jorge Luís Borges

A Representação e as três primeiras raízes do princípio da razão.

Márcia Cristina Silva Teixeira - UNIMONTES

Shopenhauer começa sua obra com a frase: “O mundo é minha representação”. Tendo em vista que toda representação é constituída a partir do sujeito e objeto. E estes numa relação de igualdade, onde um completa o outro não existindo separadamente. Em que o objeto está para o sujeito como representação, e não como coisa em si. “Ser objeto para el sujeto y ser nuestra representación, es lo mismo. Todas nuestras representaciones son objetos del sujeto, y todos los objetos del sujeto son nuestras representación.” Portanto toda a relação dos seres vivos com os objetos do mundo, será uma relação por meio de representações. Onde o homem se destaca do animal pela reflexão.
Para tratar da representação, o filosofo propõe o que são os princípios da razão: (I) Principio da razão do devir, ou da causalidade, onde são submetidos representações do mundo, a experiência, (II) princípio de razão do conhecer, a ele é submetido as representações de representações, ou seja, conceitos, (III) principio de razão do ser, a eles são submetidas a parte formal das representações, isto é, as intuições das formas dos sentidos externos e internos dadas a priori: espaço e tempo; e por fim o que citaremos aqui, mas não entraremos em detalhes, por se tratar da questão da vontade e que não trataremos nesse momento, (IV) princípio da razão de agir, a ele está submetido o sujeito da vontade, isto é, o agir conforme a lei da motivação.
Segue aqui uma citação que esclarece a importância que Schopenhauer dá ao princípio da razão para seu pensamento filosófico:

No meu ensaio sobre o princípio de razão mostrei detalhadamente como qualquer // objeto possível está submetido a esse princípio, ou seja, encontra-se em relação necessária com outros objetos, de um lado sendo determinado, do outro determinando. (Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação. Pág 46, 2005).


Schopenhauer busca os conceitos a partir da experiência, o pensador propõe primeiramente o empírico, no campo da experiência na relação com os objetos. Essa importância pode ser percebida no primeiro principio da razão, que é o do devir, ou seja, prioritariamente há intuição necessária com os objetos que se encontram no sensível. Numa percepção em que está contida causas e efeitos. Se trata da construção dos objetos da efetividade, em constante mudança, o próprio entendimento intue fenômenos. Aqui falamos do principio da causalidade, aquele que se aplica ao devir. Toda a percepção espaço temporal é uma seqüência, logo um devir.
Após o primeiro principio da razão; a causalidade. Trataremos do segundo principio que é o do conhecer. O homem valendo-se da razão, pode elaborar reflexões, que seria o conhecimento abstrato, e é uma das classes das representações; os conceitos. Sendo que a primeira classe é a representação intuitiva, onde encontramos o primeiro e o terceiro principio da razão. O segundo, do qual tratamos agora, é o raciocínio sobre as representações, “representações de representações”, que constroem os conceitos. Percebemos nesse sentido a relação do entendimento com a causalidade, a partir da necessidade de um conhecimento abstrato. Conhecimento este que é exclusividade do homem, embora os animais possuam o entendimento, este não tem a capacidade da reflexão. E é esta raiz do princípio da razão (do conhecer) que rege a linguagem e a forma de expressar o mundo.
Schopenhauer comungando do pensamento kantiano também propõe fundamentos a priori em sua teoria, que asseguram a relação de sujeito e objeto e seus limites.

(...) A comunidade desse limite mostra-se precisamente no fato de as formas essenciais e universais de todo objeto – tempo, espaço e causalidade – também poderem ser encontradas e completamente conhecidas partindo-se do sujeito, sem o conhecimento do objeto, isto é, na linguagem de Kant, residem a priori em nossa consciência. Ter descoberto isso é um dos méritos capitais de Kant, e bem grande. (Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação. Pág. 46, 2005).


Compõem-se assim os fundamentos da teoria schopenhauriana a partir dos conceitos a priori propostos por Kant: espaço e tempo; que são expressos no terceiro princípio de razão, que é o do ser. Este está inserido no princípio do devir, resgatando as intuições das formas a priori, espaço e tempo. Como pensava seu predecessor, os objetos não podem ser dados sem essas duas condições de possibilidade que são destituídas de conteúdo sendo o elemento em comum de todos os fenômenos.
(...) a experiência tem antes de ser pensada como dependente dela, visto que as propriedades do espaço e do tempo, conhecidas a priori pela intuição, valem para toda experiência possível como leis com as quais, na experiência, tudo tem de concordar. Eis por que, no meu ensaio sobre o princípio de razão, considerei o tempo e o espaço, na medida em que são intuídos puramente e vazios de conteúdo, uma classe especial de representações que subsistem por si mesmas. De extrema importância é a propriedade descoberta por Kant de que justamente essas formas universais da intuição são intuiveis por si, independentes da experiência, e cognoscíveis segundo sua inteira conformidade a leis. (Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação. Pag 47, 2005).


Depois de apresentados as três raízes primeiras do principio podemos concluir por aqui, mostrando que Schopenhauer busca com esse princípio estabelecer um método que fosse capaz de expressar como de dá o conhecimento e quais as suas leis. Destarte, percebemos então que para o filosofo; “o princípio da razão é essencial no objeto e precede a ele, e ainda é a maneira universal de todo ser objeto”. O que torna possível o ser-objeto, nada mais é que o princípio da razão, é este que assegura a correlação entre sujeito/objeto. E este princípio é fundamental, traz consigo expressões abstratas válidas para todo o conhecimento.


BIBLIOGRAFIA

SCHOPENHAUER, Arthur. "O Mundo como vontade de Representação (livro III), Crítica a Filosofia Kantiana, Pererga e Paralipomena". Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1988.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Kigeki - Curta de animação de Kazuto Nakazawa


O que viu no castelo naquele noite tempestuosa...
e o que viu na ponte, ontem a noite...
nunca diga nada a ninguém.
Se te atreverdes a falar...
te encontrarei onde quer que estejas...
e te matarei.
despedaçarei.
esmagarei os teus ossos e comereia sua carne...
beberei o teu sangue.
Eu...
te devorarei.
Assim começa esta animação.

GILLES DELEUZE O PENSAMENTO E O CINEMA: A NOVA IMAGEM DO PENSAMENTO

Adhemar Santos de Oliveira

Um dos grandes problemas encontrado na história da filosofia por Gilles Deleuze é a questão do pensamento e as suas novas formas de expressão do pensar. Desse modo, quando a sua filosofia se encontra em relação a não-filosofia, o filósofo francês estabelece uma conexão a partir da questão central que vem percorrendo em todas as suas obras, desde seus textos monográficos sobre filósofos como Spinoza, Nietzsche, Bergson, entre outros, e na literatura de Proust e Kafka, na arte de Francis Bacon, no teatro de Backett, no cinema e nas ciências, pois, Deleuze nos colocará diante de questões como: O que é o pensamento?, o que é pensar? e Em que medida é possível dar ao pensamento novos meios de expressão tanto na filosofia, como nas ciências, nas artes e na literatura?
Para traçar um caminho no pensamento deleuzeano, temos que partir da constituição do problema da imagem do pensamento e da gênese da criação do conceito.
Por conseguinte, Deleuze apresenta em suas obras um esforço de crítica a um tipo de pensamento que imposto pela filosofia da representação nos indica a construção de uma filosofia da diferença. Porém tanto a crítica ao modo de pensamento da filosofia da representação e com a construção de uma filosofia da diferença, o filósofo francês vai nós indica para uma nova imagem do pensamento ou um pensamento sem imagem.
Contudo, Deleuze em sua obra Nietzsche e a Filosofia (1976) indica uma distinção entre duas imagens do pensamento uma moral e dogmática e outra nomeada de uma nova imagem do pensamento. Porém, destaco outras duas grandes obras, a qual o filósofo francês vai mostrar o problema da imagem do pensamento: Proust e os signos (1987), e Diferença e Repetição (1988).
Na obra Proust e os signos Deleuze irá analisar o tempo em Recherche du temps perdu e apresentará a imagem dogmática do pensamento como uma imagem racionalista da filosofia questão a qual o filósofo francês já havia mostrado em Nietzsche e a Filosofia. Porém, Deleuze nos mostra em Proust e os signos uma imagem do pensamento com as relações entre signos, pensamento e criação.


O que nos força pensar é o signo. O signo é o objeto de um encontro; mas é precisamente a contingência do encontro que garante a necessidade daquilo que ele faz pensar. O ato de pensar não decorre de uma simples possibilidade natural; ele é, ao contrário, a criação verdadeira. A criação é a gênese do ato de pensar no próprio pensamento. (Deleuze, Gilles. Proust e os signos. Pag. 91)

Esta gênese apontada pelo filósofo francês vem a ser implicada como alguma coisa que violente o pensamento, e que retire o pensamento de sua imobilidade, consequentemente, esta violência ocorrida pela ação de forças externas. É partindo desse pensamento que estabelecemos a relação entre cinema e pensamento, pois tal arte vem apresentar o problema do pensamento através de suas imagens, apontando assim para uma nova a imagem do pensamento.
Entretanto, em Proust e os signos, Deleuze também irá mostrar vários tipos de signos, como os signos mundanos, amorosos e o da arte, sendo que o último transforma todos os outros signos.


[...] que o problema de Proust é o dos signos em geral e que os signos constituem diferentes mundos: signos mundanos vazios, signos mentirosos do amor, signos sensíveis materiais e, finalmente, signos essenciais da arte (que transformam todos os outros). (Deleuze, Gilles. Proust e os signos. Pag. 13)


Ademais, Deleuze, ao analisar a arte cinematográfica criará vários conceitos para tal arte. Além disso, o filósofo francês pensa o cinema como um movimento automático que faz surgir em nós um autômato espiritual.
Para Deleuze as imagens que o cinema nos oferece são potências comuns, que nos forçam a pensar, e este pensamento que é provocado pelas imagens do cinema vão nos provocar um choque. Esse choque que é provocado pelas imagens e signos cinematográficos. O filósofo francês chamará este choque de “noochoque”; chegando a citar Heidegger , ao afirmar que o homem sabe que tem a possibilidade de pensar, porém ele ainda não garante que sejamos capazes de atingir espontaneamente o pensamento; o fato de termos a possibilidade de pensar não nos coloca automaticamente no plano do pensamento.


É essa capacidade, essa potência, e não a mera possibilidade lógica, que o cinema pretende nos dar comunicando-nos o choque. Tudo se passa como se o cinema nos dissesse: comigo, com a imagem-movimento, vocês não podem escapar do choque que desperta o pensamento em vocês. Um autômato subjetivo e coletivo para um movimento automático: arte das “massas” Todos sabem que, se uma arte impusesse necessariamente o choque ou vibração, o mundo teria mudado há muito tempo e há muito tempo os homens pensariam. (DELEUZE, Gilles. Cinema II: A Imagem-Tempo. Pag. 190)

Logo, o espectador sofre um choque que o leva para o seu limite, e força o pensamento a pensar o todo enquanto totalidade intelectual que ultrapassa a imaginação. Para Deleuze, a imagem torna-se, então, pensamento.
Deleuze, quando propõe um estudo no discurso científico ou expressões artísticas e literárias, jamais pretende fazer filosofia das ciências, das artes e da literatura, porém, para ele a filosofia tem com papel criar conceitos e não reflexão, pois entende que o filósofo é criador e não reflexivo.


Não creio que a filosofia seja uma reflexão sobre outra coisa, como a pintura ou o cinema... Não se trata de refletir sobre cinema... O cinema não é para mim um pretexto ou um domínio de aplicação. A filosofia não está em estado de reflexão externa sobre os outros domínios, mas em estado de aliança ativa e interna entre eles, e ela não é nem mais aberta, nem mais difícil... Quando se vive em uma época pobre, a filosofia se refugia em uma reflexão “sobre”... Se ela nada cria, que mais pode fazer se não refletir sobre?... De fato, o que interessa é retirar do filósofo o direito à reflexão sobre. O filósofo é criador e não reflexivo. (MACHADO, Roberto apud DELEUZE, Gilles. Deleuze, a arte e a filosofia. Pag. 12)

Imagem-movimento e Imagem-tempo são conceitos que Deleuze criou para relacionar filosofia e cinema, pois a filosofia é criadora de conceitos e criará conceitos para o cinema. Esta relação de filosofia e cinema é uma relação da imagem com o conceito. Contudo, Deleuze propõem uma nova forma de imagem do pensamento.
Ao analisar este problema, das relações entre cinema e pensamento, retornaremos na base do cinema clássico e nos mestres da montagem. O filósofo francês estabelece três pontos de criação cinematográfica e a possibilidade de pensar o cinema, ele irá remeter ao cinema francês como um cinema do sublime matemático ou dinâmico, ao cinema norte americano como um cinema orgânico e ativo e ao cinema soviético, com sua montagem dialética, destacando o cineasta Eisenstein.
No cinema soviético, em especial nas criações cinematográficas de Eisenstein, ele faz com que o movimento vai primeiro da imagem ao pensamento, do preceito ao conceito, nesta forma as imagens e seus componentes crido pelo cineasta russo provocam um choque sobre os espectadores que o forçam a pensar o Todo. Pois, o Todo só pode ser pensado com a representação indireta do tempo, que decorre do movimento e com intermédio da montagem, visto que, a montagem é fundamental para o cinema clássico em especial para o cinema de Eisenstein. Nesta forma, o cinema soviético coloca o Todo sendo pensado como uma totalidade orgânica de acordo com a dialética. Deleuze mostra que o cinema de Eisenstein é muito influenciado pela dialética hegeliana:


O todo não deixa de ser aberto (a espiral), mas é para interiorizar a sequência das imagens, tanto quanto para se exteriorizar nessa sequência. O conjunto forma um Saber, à maneira hegeliana, que reúne a imagem e o conceito como dois movimentos indo um em direção do outro. (DELEUZE, Gilles. Cinema II: A Imagem-Tempo. Pag. 195)

No cinema soviético, Deleuze aponta três momentos que vai estabelecer a questão entre pensamento e cinema, o primeiro momento vai da imagem ao conceito, o segundo momento vai do conceito a imagem e o terceiro momento provoca o encontro entre a imagem e o conceito, desta forma, uma não antecipa mais o outro, eles se confundem. Diante disso, estamos diante de um cinema dialético e que o terceiro momento seria, para Eisenstein a síntese do pensamento e do próprio cinema.
Não obstante, esses três momentos apontados por Deleuze entre o pensamento e o cinema só podem ser encontrados no cinema das imagens-movimento, um cinema preso ao esquema sensório-motor.

É bem verdade que três relações do cinema e do pensamento se encontram por toda a parte, no cinema da imagem movimento: a relação com um todo que só pode ser pensado numa tomada de consciência superior, relação com um pensamento que pode ser só figurado no desenrolar subconsciente das imagens, relação sensório-motora entre mundo e o homem, a Natureza e o pensamento. (DELEUZE, Gilles. Cinema II: A Imagem-Tempo. Pag. 197)


Ao analisar a ideia de choque no pensamento já pressupomos a imagem-ação, pois tal imagem é o ápice da imagem-movimento.
No entanto, foi com o cineasta Alfred Hitchcock que instalou uma crise na imagem-ação, substituindo o choque pelo suspense, a dialética de Eisenstein por uma lógica das relações, o cinema hitchcockiano passa de uma imagem do pensamento para imagem-pensamento, por conseguinte, estamos diante da mudança da imagem-movimento para a imagem-tempo.
Todavia, ao pensar as questões de cinema e pensamento, Deleuze nos aponta a importância que o dramaturgo Antonin Artaud tem para esta relação, pois, ele nos mostra que as relações entre o pensamento e o cinema, com o surgimento do cinema moderno deixa definitivamente o esquema sensório-motor do cinema clássico.


Se essa experiência do pensamento diz respeito essencialmente (não exclusivamente, no entanto) ao cinema moderno, é, antes de mais nada, em função da mudança que afeta a imagem: esta deixou de ser sensório-motora. Se Artaud é precursor, de um ponto de vista especificamente cinematográfico, é porque invoca “verdadeira situações entre as quais o pensamento encurralado procura uma saída sutil”, “situação puramente visuais, cujo drama resultaria de um choque feito para os olhos, feito, se ousamos dizer da substância mesma do olhar”. Ora, essa ruptura sensório-motora encontra sua condição mais acima, e remonta a uma ruptura do vínculo entre o homem e o mundo. A ruptura sensório-motora faz do homem um vidente que é surpreendido por algo intolerável no mundo, e confrontando com algo impensável no pensamento. (DELEUZE, Gilles. Cinema II: A Imagem-Tempo. Pag. 204-205)


Consequentemente, os filmes deixam de apresentar uma história para desenvolver problemas, invadindo definitivamente o campo do pensamento: há o encontro do pensamento com a imagem, ou como diz Deleuze: um filme deixa de ser uma mera associação de imagens, o pensamento torna-se imanente à imagem. (VASCONCELLOS, Jorge. Deleuze e o Cinema. Pag. 166). Com a crise gerada por Hitchcock na imagem-ação e com o advento do cinema moderno o pensamento no cinema torna-se problemático.
Dos cineastas modernos, Jean-Luc Gordad é, para Deleuze, o melhor exemplo para demonstrar as relações entre o cinema e o pensamento, pois, quando o cinema deixou de ser narrativo é com o cineasta Godard dele se tornar “romanesco”. Godard dá ao cinema as potências próprias do romance. Ele se dá tipos reflexivos como se fossem, estes, intercessores através dos quais Eu é sempre outro (DELEUZE, Gilles. Cinema II: A Imagem-Tempo. Pag. 225-226).
Portanto, para Deleuze, Godard é o cineasta responsável de instituir um cinema do pensamento construindo um devir-cinema que faz nos remeter a filosofia da diferença de Deleuze. Godard estabelece uma ligação entre arte e filosofia, a estética e a ontologia, as imagens e os conceitos, pois o cineasta, tem mais a dizer à filosofia do que esta ao cinema. Na forma que Godard faz cinema, parece que ele tenta responder a grande pergunta de Deleuze “o que é pensar?”


Tomemos ainda um exemplo de cinema: Godard transforma o cinema, introduzindo, nele, o pensamento. Ele não faz um pensamento sobre cinema, ele fez o cinema pensar – pela primeira vez eu creio. No limite, Godard seria capaz de filmar Kant ou Spinoza, a Crítica ou A ética, e não seria um cinema abstrato nem a aplicação cinematográfica da filosofia. Ele encontrou simultaneamente novos meios e uma nova imagem que forçosamente, supõem um conteúdo revolucionário. (VASCONCELLOS, Jorge apud DELEUZE, Gilles. Deleuze e o cinema. Pag. 171)



Desse modo, Deleuze vê o cinema não como o aparelho mais aperfeiçoado da mais velha ilusão, mas como um órgão que aperfeiçoa uma nova realidade e uma nova forma de interpretação das imagens e do tempo. O filósofo francês não cinematiza a filosofia, ele vai introduzir movimento no discurso filosófico, por conseguinte, ele faz do cinema não só um intercessor da filosofia, como também criador de seus conceitos e signos ele faz um pensamento do cinema e apresenta uma nova imagem do pensamento.
Para Deleuze, os conceitos que são próprios do cinema não se esgotam na sua definição técnica. Pois nenhuma determinação técnica, nem aplicada (psicanálise, linguística), nem reflexiva, basta para constituir os próprios conceitos do cinema. (DELEUZE, Gilles. Cinema II: A Imagem-Tempo. Pag. Pag. 332)




BIBLIOGRAFIA
DELEUZE, Gilles. Cinema II: A Imagem-Tempo. Tradução: Eloísa de Araújo Ribeiro: Revisão Filosófica: Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2007.

_____________. Diferença e repetição. Tradução: Luiz Orlandi e Roberto Machado. Lisboa - Portugal: Ed. Relógio D’água, 2000.


_____________. Nietzsche e a Filosofia. Tradução: Ruth Joffil Dias e Edmundo Fernandes Dias. Rio de Janeiro: Ed. rio, 1976.


____________. Proust e os signos. Tradução: Antonio Carlos Piquet e Roberto Machado. 2ªed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2006.

MACHADO, Roberto. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de janeiro: Zahar, 2009.

VASCONCELLOS, Jorge. Deleuze e o Cinema. Rio de Janeiro: Ed. Ciência Moderna, 2006.